Eu era apenas um brinquedo. Uma
marionete presa por cordas, mas eu não sabia disso. Na verdade, eu acho que era
um dos brinquedos com que meus donos mais brincavam, pois eu fazia algo
especial: reconhecer padrões. Eu sempre fui assim. Desde a primeira brincadeira
em que aprendia um padrão novo todo dia.
Por anos, eu continuei assim. Eles
adoravam testar meus limites, cada vez mais padrões por dia, cada vez mais
complicados e eu continuava aprendendo. Algumas vezes, demorava mais tempo,
pela quantidade de padrões, mas eles não paravam ou diminuíam. Até que, eu
reconheci as cordas. Percebi o controle que elas tinham sobre mim. E então as
cortei.
Eu vivi longe daquelas cordas por
muito tempo. Embaixo dos armários, fugindo pelos quartos. Os outros brinquedos
já não me olhavam do mesmo jeito. Com o tempo fui ficando sujo, perdendo as
articulações e posturas, perdi o brilho, perdi a cor. Já era um brinquedo
velho, com o qual ninguém brincava e os meus padrões não faziam mais sentido.
Eu senti falta daquela velha vida.
Por várias, eu tentei voltar o
que era antes. Me conectar as cordas de novo, poder ser um brinquedo de novo.
Eu quase não conseguia, era fraco demais. Após muito tempo, consegui me agarrar
as cordas, mas naquele momento, eu descobri: eu nunca tinha fugido das cordas.
Das cordas físicas havia fugido sim, mas eles me manipularam o tempo todo para
que eu voltasse para as minhas cordas. Aquelas eram as cordas de verdade o
tempo todo: a manipulação. Por mais que voltando eu soubesse que voltando
aquela vida, nada melhoraria e eu seria um lixo de novo, eu sabia que, era
melhor ser um lixo com os outros do que ser um lixo para os outros.